sábado, 7 de fevereiro de 2015

AVÔHAI de Zé Ramalho

Talvez essa música também fale sobre isso...

Quando o filho descobre que não pode mais seguir o caminho do pai-avô, mas deve dar sentido à sua existência única, ocorre uma dolorida transmutação psicológica do menino que agora será um homem com capacidade de autorreferência. Ele não mais segue exemplos, simplesmente cria os seus, improvisa.

Esse rompimento natural não acontece com todos. Por isso vemos seres de idade avançada ainda na infância. Essa individuação pode também causar uma repulsa no pai-avô extremamente dominador.

Aquele que segue sua própria estrada sabe que ela nunca foi percorrida por ninguém. E romper nessa virgindade exige coragem...

UM POUCA DA HISTÓRIA DE ZÉ RAMALHO

Zé Ramalho foi criado pelo avô, que sempre o orientou para fazer medicina. Contudo, já no segundo ano da Faculdade de Medicina de João Pessoa, Zé decide largar o curso e ir para o Rio de Janeiro tentar a carreira de músico. Ele só tinha o dinheiro da passagem, um violão e nada mais. Seu avô, decepcionado, achou que Zé tinha enlouquecido, sua avó chorou e rezou. 

Como poderia largar um curso científico para escrever versos e viver de música? Era simplesmente ilógico (poético demais?) o caminho escolhido por Zé... 

A música "Avôhai" é fruto dessa tensão e dor da cisão entre os sonhos projetados pelo avô e o caminho que pulsava no coração de Zé. O final da música é espetacular, pois faz uma homenagem que só um doutor da música popular brasileira poderia fazer: 

"Entrecortando eu sigo dentro a linha reta
Eu tenho a palavra certa pra doutor não reclamar


Avôhai, avôhai, avôhai"


LETRA:   
Avôhai
Zé Ramalho
Um velho cruza a soleira
De botas longas, de barbas longas
De ouro o brilho do seu colar
Na laje fria onde quarava
Sua camisa e seu alforje
De caçador...
Oh! Meu velho e Invisível
Avôhai!
Oh! Meu velho e Indivisível
Avôhai!
Neblina turva e brilhante
Em meu cérebro coágulos de sol
Amanita matutina
E que transparente cortina
Ao meu redor...
E se eu disser
Que é meio sabido
Você diz que é meio pior
Mas e pior do que planeta
Quando perde o girassol...
É o terço de brilhante
Nos dedos de minha avó
E nunca mais eu tive medo
Da porteira
Nem também da companheira
Que nunca dormia só...
Avôhai!
Avôhai!
Avôhai!
O brejo cruza a poeira
De fato existe
Um tom mais leve
Na palidez desse pessoal
Pares de olhos tão profundos
Que amargam as pessoas
Que fitar...
Mas que bebem sua vida
Sua alma na altura que mandar
São os olhos, são as asas
Cabelos de Avôhai...
Na pedra de turmalina
E no terreiro da usina
Eu me criei
Voava de madrugada
E na cratera condenada
Eu me calei
E se eu calei foi de tristeza
Você cala por calar
Mas e calado vai ficando
Só fala quando eu mandar...
Rebuscando a consciência
Com medo de viajar
Até o meio da cabeça do cometa
Girando na carrapeta
No jogo de improvisar
Entrecortando
Eu sigo dentro a linha reta
Eu tenho a palavra certa
Prá doutor não reclamar...
Avôhai! Avôhai!

VÍDEO NO YOUTUBE:
https://www.youtube.com/watch?v=mM2YpX4FVo4&feature=youtu.be

Foto de Murilo Meirelles





2 comentários:

  1. Li hoje nesse site uma pequena explicação do próprio Zé Ramalho sobre a música AVÔHAI:

    http://www.jornalopcao.com.br/colunas/imprensa/musica-avohai-surgiu-para-ze-ramalho-durante-uma-experiencia-alucinogena

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  2. Que maravilha encontrar uma interpretação sobre essa letra. Amo essa música e o Zé Ramalho. Pena que não pode ser compartilhada.

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