sábado, 14 de fevereiro de 2015

O MITO DOS AMANTES

Os mitos gregos sobre o Deus Original, Caos, o pai de todas as demais divindades, são alegorias sobre a criatividade. Caos significa “separar” ou “ser amplo” em grego. Ele deu origem aos outros deuses por cisão, assexuadamente. Somente após Caos criar deuses é que surge a consciência da existência do outro, justamente por isso que, conjuntamente ao ato de criação do primeiro filho dele, houve a emergência da liberdade. Pois, se Caos por qualquer modo controlasse ou manipulasse qualquer de seus filhos, estes já não seriam livres, mas apenas o próprio Caos. Com efeito, Deus não interfere em nossas vidas e nem poderia fazê-lo, sob pena de eliminar a sua própria criação ao negar a liberdade ínsita à individualidade. Essa é a consciência de que o contrário de liberdade é a inexistência. Liberdade é capacidade de criar.

Da infinita vontade de criar surge Eros, permitindo a criação pela união dos Deuses. Em Eros, os Deuses Primitivos deixam de se reproduzir assexuadamente para então procriar em conjunto. Em Eros, temos a aceitação do outro e da dualidade: ação e reação, vida e morte, união e separação, feminino e masculino. Eros é a consumação da liberdade, a possibilidade de criar só e em conjunto, a atuação dobrada para liberar novos conteúdos e formas, de criar para além da solidão primordial. Eros realça a obra de seu pai ou irmão, o Caos, precisamente quando sobreleva ao infinito a consciência da existência do outro, então, nessa imensurável condição já é possível uma fusão de individualidades em um ato de criação, como se Eros homenageasse a unidade de seu Pai Caos, a dualidade em um. Tal perspectiva ressoa até nos humanos, que nada mais são além de filhos do cruzamento eterno dos Deuses...

Logo, criatividade é consciência da existência do outro, é alteridade. A infinita vontade de criar dos Deuses levou-os à união com outros seres criativos, somando, concordando, conjugando. Assim, a liberdade e a criatividade supremas só podem ser exercidas através do amor. O amor consuma em definitivo a criatividade e a liberdade. O amor se torna a condição de existência do Universo, a única forma de existência na dualidade.

Até aqui temos um caminho divino bem iluminado pela mitologia: sair do caos através da criatividade, aprender a criar em solidão e, por fim, criar em conjunto com outro ser. Essa é provavelmente a árdua estrada da felicidade. Aquele que não aprendeu a viver só, não poderá viver em conjunto. Aquele que não floresceu na caótica lama, não verá as outras flores de lótus se estendendo ao infinito.

Então, a criatividade é condição para existência.

Caos criou Eros porque somente a liberdade não garantiria a continuidade infinita, apenas o amor sustentaria isso. Sua perspectiva era ver deuses indo cada vez mais longe e distante, entretanto, se alguns dos seus filhos se negarem a ir ou existir ou criar, ele os receberá em seu interior como um pai e mãe que é e sempre será. Todo aquele que luta contra a liberdade ou criação vai contra a existência e será salvo num ato de dissolução no interior de nosso Pai Comum Supremo, O Caos, este é o fim ou início daqueles que mantêm prisões e cativeiros. Enfim, somos todos divinos e o amor de um jeito ou de outro nos libertará...

Por tudo isso, sejamos criativos, livres, engenhosos, arquitetos estelares. Para tanto, é preciso saber que criatividade e existência só são possíveis sob a lei universal da convivência divina: o amor. 

Sem a vida em comum e partilhada no amor, não seríamos nem a lama...










Nenhum comentário:

Postar um comentário