sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

LÁUREA

Ela me confessou que nunca lhe disseram que era doce. Pois eu disse

E por açucarado que seja esse texto, ela é ainda mais

Uma imagem jamais se extinguirá de minha memória: a forma como ela deitava em meu ombro, pouso leve e quente

Tudo nela ressuscita uma brisa: fala breve, respiração calma, hálito morno e suave 

Os clarinhos olhos cor de mel se derramavam no infinito, e por diversas vezes me alagaram

Minhas costelas sempre sentirão saudades do passeio dos delicados dedos dela

A calmaria nessas lembranças está no melhor dos meus momentos de paz

E que essa silenciosa canção receba a coroa de louros da Eternidade, pois se ela conseguir replicar uma fagulha sequer dessa mulher, o solar Apolo e sua arte ficarão rubros com o calor emanado por Laura


Abaixo duas belas versões do mito de Apolo e Dafne:



segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

AO ETERNO É O PASSAGEIRO

A carência do agressor, a dor da vítima, a fraqueza e a traição são ausência e passagens para criação de sentido, de valor e de beleza: A coragem para ser único e reto no melhor que habita todo e qualquer ser; o princípio de toda divindade num ato solitário-solidário cintilante no meio do desatino; um lampejo de vida para os mortos; uma faísca captada pelos olhos do inferno; a fagulha que se incrustará na memória da mais profunda escuridão; as cristalinas lágrimas e seu puro sal interiorizados pois a luta não para e a visão límpida e doce é indispensável ao florescimento no caos.

Levanta-me diariamente ao menos uma ínfima e instantânea centelha de amor por conta da qual os Deuses redimirão um mortal na sentença incandescente: vá, tome do nosso justo poder de construir perspectivas em constelações pois a Eternidade te domou e tomou.

E se o poeta é um fingidor e essa poesia não for verdade? Então, minha derrota não machucará ninguém, e o desejo de cura terá sido o único desvio, e a fantasia terá sido originalmente bela apesar de não ter admiradores, pais, mães, irmãos, amigos ou apenas expectadores, e no rumo do escurecer da virtual velhice, a verdadeira morte será um descanso nessa peleja por ilusão, e aceitar o fim será mais fácil porque uma vida de miragens acalmou um quimérico coração, e esse sonho terá mais calor que qualquer variação no Universo e criações perfeitas e reais dos Deuses...


A FÊMEA TERRA

(MÃE)

"Se a vida dependesse do nosso saber consciente, há muito ela teria desaparecido. Todas as coisas vivas sabem sem saber. Sabe a aranha tecer sua teia sem ter aprendido. Sabe o joão-de-barro fazer sua casa sem ter ido à escola. Sabe o corpo da grávida fazer a criança sem ter lido livros de embriologia. Se o beija flor pensasse para bater suas asas, jamais voaria. Pianista bom não pensa no que está tocando; Só podemos falar porque, no ato de falar, nada sabemos de gramática. A fala veio antes. O saber gramático veio depois. O saber é sempre posterior à sabedoria." 
_Rubem Alves


A Terra recebe a semente oferecendo-lhe nutrientes, aconchego e energia para que germine. Sem esse sacrifício, o potencial contido num grão não se realizaria.


Toda a vida está mais próxima do Sol porque se fundamenta na Terra. Ela permite que a vida esteja em seu interior e depois em seus ombros. Carrega seus filhos, elevando o significafo de suas existências. 


Vejam as copas das velhas árvores já tão distantes do solo, mas ainda assim com raízes cravadas em sua origem maternal. Olhem os pássaros com suas celestes assas, se alimentando e dormindo nela. Percebam que o profundo e poderoso Oceano está apoiado na Terra. Apreendam que o potencializador da vida, O Céu, existe pela atração dela.


A Terra possui a sua canção de amor para os sonolentos, em um trecho está assim: vós sois para o bem e sempre meus filhos; ao ódio, desejo e medo ofereço meu útero e seio para vosso renascimento...


Oh, Terra, nossa mãe, que a sua compaixão alegre seus filhos; que, em seu exemplo eterno, possamos perceber como um pouco de amor pode curar o matricídio suicida dos homens. Então, quando finalmente internalizarmos as suas leis, sairemos voluntariamente de seu ventre e com olhar fixo no Sol...


"Só a Natureza cura."
_ A. Balbach
 
 
 








TRABALHO SEM PENSAR

Como o excesso de trabalho impede a autoconsciência? Uma mulher com status financeiro elevado e que não precisaria trabalhar, por compaixão, se sujeitou ao modo de vida do proletariado para saber como eram as condições desse tipo de existência.  A conclusão de Simone Weil pode ser sentida nesse trecho que descreve uma realidade dolorida com uma lucidez sublime:

"O esgotamento acaba para me fazer esquecer os verdadeiros motivos de minha estada na fábrica, torna quase invencível para mim a tentação mais forte que esta vida inclui: a de não pensar mais, o único meio de não sofrer com ela. Só no sábado à tarde e no domingo é que minhas lembranças voltam -farrapos de idéias!- que me lembro de que sou também um ser pensante. Pavor que me domina quando constato a dependência em que me acho das circunstâncias exteriores."




COVARDES

Quem disse que a mesa do bar ao lado não tem nada para ensinar?! Humanos e seus joguinhos covardes:

Existem duas espécies abundantes de vícios destrutivos nos homens: A falta de autoconfiança que os torna infantis, carentes, subservientes. Por outro lado, o desprezo e a soberba que impressiona à primeira vista e atrai os da espécie anterior. 

Faço uma prece pela existência de uma terceira espécie que me livre daquelas. Amém!

"Autodomínio e generosidade formam a beleza da alma."
___Frithjof Schuon


Pintura: Criança geopolítica assistindo o nascimento do novo homem
Autor: Salvador Dalí
Ano:1943

ABRO MÃO

A verdade do jornal, do carnaval, do papel, do futebol, dos modelos, das modelos, da cidade, do inferno, do terno, do muito, do mestre, da lei escrita, eu abandono, abro mão. Universo, meu pai, desperte-me pelo coração, meu desejo mais puro é Eternidades! 

Platão diz algo que não precisamos ler, basta apenas olharmos para o fundo de nosso próprio ser  para sabermos: "Se não encontras a alegria nesta terra, procura-a, irmão, para além das estrelas." 

Assim, tenho viajado para outros mundos dentro ou fora deste. E minhas andanças por esses lugares fantásticos estão sugeridas na arte espalhada por aqueles que também percorreram trilhas indescritíveis.

Ludwig von Beethoven, quando trabalhava em sua Nona Sinfonia, escreveu:

“Quando, pleno de admiração, olho para o céu e o exército de luzes chamadas de sóis ou planetas move-se eternamente no interior de suas fronteiras, meu espírito se dirige para essas estrelas a milhares de quilômetros distantes, para a fonte primordial de onde procedem, eternamente, novas criaturas.

Se tento, então, por meio de notas, dar forma à minha enorme agitação, ah! Fico terrivelmente decepcionado! Jamais pessoa alguma nascida nesta terra – disso estou firmemente convencido – poderá representar essas imagens celestes por meio de notas, palavras, cores ou golpes de cinzel. Sim, tudo o que toca o coração deve vir do Alto, do contrário tudo não passa de corpos sonoros sem espírito. 

O que é um corpo sem Espírito? O Espírito deve alçar-se acima da terra, elevar-se, buscar a fonte de onde procede.”

Imagem: Noite estrelada, pintura digital de Alex Ruiz.

SOBRE A MORTE E A VIDA

Ajudando a arrancar mandioca, escutei meu avô ensinar sem querer sobre morte e vida, ele disse o seguinte: 

"arranquei um pé de mandioca e com seus ramos plantei outros dez; mandioca boa é assim."



SALÃO DE BELEZA:

Estou em um salão de beleza só para mulheres. Seis anúncios de diferentes produtos de beleza mostram algumas modelos. Interessante que em cinco deles não há ao menos esboço de um sorriso, estão com um biquinho ou a boca entreaberta. Parecem-me belos rostos com almas pálidas.

Por que o riso é quase uma proibição para modelos? Talvez, esses ícones sem um sorriso causem identificação instantânea nas grandes e pálidas massas...

Prefiro aquela única mulher destoante entre os seis anúncios, pois antes mesmo de tudo ela me mostra uma alma no sorriso, porque toda sensualidade reside aí e ali pousa minha vontade.



HARMONIA FEMININO-MASCULINO

Encontre-se: descubra em seu interior o conteúdo de um amor maternal e a forma corretiva-direcionante patriarcal.



DAIME REAL VISÃO

Ah, as bolhas sanguínes em minhas mãos,
filhas do infinito atrito desse mundo material,
criam azeda bebida para doce visão celestial:
Sem véu, somos somente bolhas de sabão




DOS GRAUS DE ENTENDIMENTO

(Desvelar das leis )

A natureza, os corpos e o espírito são regidos por leis. Podemos desconhecer quais são. E essa ignorância sempre estará associada à dor. 

A busca pelo conhecimento é contínua introspecção desses códigos onipresentes, de modo que trabalhemos em sintonia com seus mandamentos, para a constante cura própria e alheia. 

Mas, afinal, qual o modo de descobrir essas leis? Deve-se ter como norte aquilo que os filósofos e religiões chamam de Unidade ou Amor.

Somente o Amor permite uma autêntica felicidade dentro do único e jamais percorrido caminho que estamos nos aventurando.

A velocidade com que cada um irá conhecer as leis é fruto da vontade de ser um herói em meio à natural crueldade do mundo. O nível de movimento e de compreensão é proporcional ao desejo de ser bebê, de engatinhar ou de andar.

Sempre que andamos heroicamente, brota de nossas feridas sangue novo. Em simbólico morrer num sacrifício materno pelo outro, duas novas e intensas vidas se apresentam.

Não são mais intensamente vivas assim aquelas pessoas que você mais ama?



OS CEM MEDOS

Qual ato teu que não nasce do medo?

Você tem medo dos olhos
Você tem medo de ver
Você tem medo que não vejam
Você tem medo que reparem

Medo do gemido
Medo do sustenido
Medo de não ter beijo
Medo de acabar o desejo

Medo de não ter beleza
Medo da natureza
Medo da mentira
Medo de verdade

Medo de ficar só
Medo de não terem dó
Medo que o mundo não mude
Medo de ser outro

Medo de acabar
Medo de começar
Medo de morrer
Medo de viver 

Medo de sentir
Medo do sentido
Medo da dor
Medo do amor

Medo de perder a razão
Medo da outra dimensão
Medo dessa viagem
Medo da coragem

Medo de ser
Medo de tremer
E na essência do enredo
Medo de sempre ter medo





Pintura: Saturno devorando seu filho

Autor: Francisco de Goya

Data: 1819-1823





Pintura: Saturno

Autor: Peter Paul Rubens

Ano: 1636


"O espírito do mal é o medo, a negação, ele é o espírito da regressão ao infantilismo e narcisismo. Para o herói, o medo é um desafio e uma incumbência, pois só a audácia pode libertar do medo. E, se o risco não for enfrentado, o significado da vida será de alguma maneira violado." (Carl Gustav Jung, em Símbolos da Transformação).

domingo, 15 de fevereiro de 2015

LIBERDADE

Libertas Quæ Sera Tamen

Liberdade, ainda que tardia.
Ou, Libertas, que serás também?
no nó dos livros
na bandeira mineira
no centro do Rio
na cadeia
na rua para quem quiser ver
dentro de mim e de você


Qual a melhor tradução
para coisas do coração?




sábado, 14 de fevereiro de 2015

EU TAMBÉM ESTIVE BÊBADO

Todos estavam correndo muito 
Rapidamente os faroletes sumiam
Eu ia lento e pensativo:
onde com tanta pressa eles iam? 

Bêbados costumam correr (masculino)
deixando no futuro seu abraço
Esquecem que o caminho é ser
presente em qualquer espaço

Na contramão, meu Poder é lento (fraqueza)
Pois confesso a ti, Estrada
o meu mais puro alento (atento)
é fazer-te minha amada


O MITO DA INVEJA

A inveja tem origem no desejo de controle do outro. Desejo de controlar cria inveja. 

Filhos de um mesmo pai, dois Deuses iguais em poder ou importância regem-nos com suas leis simbióticas. Um colabora sobre o amor e a criatividade. O outro comanda sobre dependência, controle e repetição. 

O primeiro sonha que cada um de seus filhos se espalhe pelo Universo criando novos mundos e perspectivas. 

O segundo deseja controlar nossa criatividade e, por consequência, todos nós. Ele é repressor da originalidade alheia. Por ser Deus, ele também possui criatividade, mas não a quer para seus filhos e muito menos para os filhos do outro Deus irmão. Seu método para realizar seu desejo é a inveja, pois esta possui a essência aniquiladora de individualidade ou criação. 

A inveja é o desejo de que toda a criatividade do mundo esteja no seu interior. Assim, ela é a escuridão, receptáculo infinito de toda a matéria seminal e da luz. A inveja é acumulação, a geração de buracos negros. 

É provável que cada ser do Universo seja filho de apenas um desses Deuses e ao longo de sua evolução se viu confrontado com o outro. Nesse sentido, essa dualidade permite escolha por afinidade, mas é impossível negá-la. 

O primeiro Deus propaga, exterioriza e alimenta. 

O segundo Deus absorve, interioriza e come. 

Podemos criar galáxias, vida, alegria, resplandecer. Por outro lado, podemos depender da criatividade alheia, do sêmen alheio, do calor alheio e ainda querer que tudo isso esteja sob nosso comando. 

Pensemos sobre isso: como a inveja aniquila a nossa individualidade, criatividade e doçura...



Pintura: Caim matando Abel
Autor: Gaetano Gandolfi
Ano: ~ 1750




Pintura: A calúnia de Apeles
Autor: Sandro Botticelli
Ano: 1495


Uma interessante análise sobre o mito de Apeles: 


QUINTESSÊNCIA

Quinta-feira, dia de tomar um chimarrão que é gaúcho mas é mais ainda indígena. Quinta-feira, último dia antes das minhas férias, hora de ir para algum pedaço de Goiás que é só cheiro de terra. Quinta- feira, mais um dia para agradecer àquilo que harmoniza a sua e a minha loucura: a natureza, o mato, o verde, o nada que é estar em silêncio em meio aos inúteis pássaros, às dispensáveis árvores, aos insignificantes animais e às correntes frágeis dos rios.

Não se iluda, meu caro, a quintessência da vida não pode ser comprada. O oculto gozo eterno de nossa alma é somente aquilo que a massa da civilização civilizada em multidões tem chamado de pouco ou nada ou solidão. Contudo, no invisível está a saborosa intensidade do ser verdadeiramente dois ou um...

Espalho aqui um poema que veio até mim durante a verve provocada pelo chimarrão:

A MATE

Origens dos indígenas, 
proibida pelos jesuítas, 
pois a verve dessa erva
é um despertar em Eva

Brava chuva na mata
Uma Deusa me desata
Mãos no seio dela, 
sentidos sem cela

Seio, selva e o calorífico
formam corpo e espírito

Líquido profundo, em ti,
o melhor do mundo, bebi, li-vi
nosso alegre casamento 
trança verbo, avivamento


LEÃO E AQUÁRIO, O MITO

LEÃO-AQUÁRIO
SAGITÁRIO-GÊMEOS
ÁRIES-LIBRA

Chama fome de ar



Fogo na coberta,
a descoberta:
homem sonha,
mulher ama,
transformação,
cuidado,
ampliação,
afago

Alguém sem e do nada concebeu:
os homens descendem do céu,
dos Titãs, Prometeu, criador
Da água e terra, corpo e vida
Do ar, espírito
Por fim, concedeu,
com sagacidade, destemor,
fogo para elevarmo-nos

Ar pensante
olhar penetrante
alma desvelada
futuro sabido
espírito
um

Fogo sentido, intuitivo
alimento cozido
sabor apurado
sabedoria
prazer
amor
dois
luz
sol
sal

Ar quente, alto vai, também fogo
Juntos acendem e ascendem ao infinito

Certa vez,
tostaram Deuses,
monte Olimpo, fumaram

Zeus bronzeado,
enrubesceu,
febril, desceu,
e inflamou zangado:
Que poder tão chamadamente elevado?
Ora, humanos flertando eternidade?!
Depois, a história da maldade
Prometeu chamado
Infernal desventura
Adeus verdade
Bela Pandora

A águia puniu Prometeu,
defronte o poder que nos deu
Ódio: castigo da imensidão ar-fogo,
pois diz uma antiga tradição,
o fígado se debilitado,
raiva no coração

Ar, fogo
chama, vento,
chamamento
Nessa divina dança,
trouxeram esperança...



O MITO DOS AMANTES

Os mitos gregos sobre o Deus Original, Caos, o pai de todas as demais divindades, são alegorias sobre a criatividade. Caos significa “separar” ou “ser amplo” em grego. Ele deu origem aos outros deuses por cisão, assexuadamente. Somente após Caos criar deuses é que surge a consciência da existência do outro, justamente por isso que, conjuntamente ao ato de criação do primeiro filho dele, houve a emergência da liberdade. Pois, se Caos por qualquer modo controlasse ou manipulasse qualquer de seus filhos, estes já não seriam livres, mas apenas o próprio Caos. Com efeito, Deus não interfere em nossas vidas e nem poderia fazê-lo, sob pena de eliminar a sua própria criação ao negar a liberdade ínsita à individualidade. Essa é a consciência de que o contrário de liberdade é a inexistência. Liberdade é capacidade de criar.

Da infinita vontade de criar surge Eros, permitindo a criação pela união dos Deuses. Em Eros, os Deuses Primitivos deixam de se reproduzir assexuadamente para então procriar em conjunto. Em Eros, temos a aceitação do outro e da dualidade: ação e reação, vida e morte, união e separação, feminino e masculino. Eros é a consumação da liberdade, a possibilidade de criar só e em conjunto, a atuação dobrada para liberar novos conteúdos e formas, de criar para além da solidão primordial. Eros realça a obra de seu pai ou irmão, o Caos, precisamente quando sobreleva ao infinito a consciência da existência do outro, então, nessa imensurável condição já é possível uma fusão de individualidades em um ato de criação, como se Eros homenageasse a unidade de seu Pai Caos, a dualidade em um. Tal perspectiva ressoa até nos humanos, que nada mais são além de filhos do cruzamento eterno dos Deuses...

Logo, criatividade é consciência da existência do outro, é alteridade. A infinita vontade de criar dos Deuses levou-os à união com outros seres criativos, somando, concordando, conjugando. Assim, a liberdade e a criatividade supremas só podem ser exercidas através do amor. O amor consuma em definitivo a criatividade e a liberdade. O amor se torna a condição de existência do Universo, a única forma de existência na dualidade.

Até aqui temos um caminho divino bem iluminado pela mitologia: sair do caos através da criatividade, aprender a criar em solidão e, por fim, criar em conjunto com outro ser. Essa é provavelmente a árdua estrada da felicidade. Aquele que não aprendeu a viver só, não poderá viver em conjunto. Aquele que não floresceu na caótica lama, não verá as outras flores de lótus se estendendo ao infinito.

Então, a criatividade é condição para existência.

Caos criou Eros porque somente a liberdade não garantiria a continuidade infinita, apenas o amor sustentaria isso. Sua perspectiva era ver deuses indo cada vez mais longe e distante, entretanto, se alguns dos seus filhos se negarem a ir ou existir ou criar, ele os receberá em seu interior como um pai e mãe que é e sempre será. Todo aquele que luta contra a liberdade ou criação vai contra a existência e será salvo num ato de dissolução no interior de nosso Pai Comum Supremo, O Caos, este é o fim ou início daqueles que mantêm prisões e cativeiros. Enfim, somos todos divinos e o amor de um jeito ou de outro nos libertará...

Por tudo isso, sejamos criativos, livres, engenhosos, arquitetos estelares. Para tanto, é preciso saber que criatividade e existência só são possíveis sob a lei universal da convivência divina: o amor. 

Sem a vida em comum e partilhada no amor, não seríamos nem a lama...










MORRER PARA VIVER

Quem não tem medo 
da vida também não 
tem medo da morte.  
-Arthur Schopenhauer-

O segredo do amor é maior 
do que o segredo da morte.
-Oscar Wilde-

Saber viver é aprender a morrer. Somente os zumbis ignoram isso.

Muitas mortes sofremos em vida. Já morremos diversas vezes e ainda acontecerão muitas outras para plenamente vivermos. Após um falecimento, uma vitalidade é potencializada: Lembremo-nos que dos esquecidos corpos putrefatos e do rejeitado esterco nasce a mais bela Flor-de-Lótus...

Uma vida se alimenta de outra vida, mas, existe o outro lado, uma morte cria vida! Então, não devemos temer as aparências do fim.

A morte liberta das convenções alheias que controlam o teu verdadeiro ser; destrói a ilusão de tudo ter; extingue o medo que congela o coração; elimina o desejo que encobre tua visão.

Aceitemos as mortes, pois isso é coisa da vida...


Pintura: A morte de Sócrates
Autor: Jacques-Louis David
Ano: 1787

MATILHA

Lobo, és sagrado,
em grupo talhado
Uma civil imagem
num ser selvagem
Desse sentimento,
doce pensamento


LOBA

Loba, onde será o nosso encontro?
O fecundo nos fez na mesma pia?
Basta a ideia de ti que tudo lumia?
Ou em ti descobrir-me-ia um outro?

Loba, sou carne nua crua sangrenta
ornamentada com deleitosa pimenta 

beije, beba e anote os teus caninos
oh, assassina de todos os instintos

Loba, confesso misterioso conto
o criador me fez para que sorrias
bendizendo nesse poema santo
o teu ventre desnudando alegrias

Leia-me com atenção e tu verás
os nossos destinos cruzados
brincando dois em ser um só ás
arauto dos bem-aventurados






UM RENASCIMENTO NA CRUZ

Se Jesus florescesse em nós, por que nos preocuparíamos se ele existiu ou não?
 
Se sobre o amor soubéssemos, por que somos ainda tão rígidos?

Se já não o negamos, por que estamos exilados na matéria?

Se fomos um, por que vemos dois?

Jesus, assassinado por seres como nós, humanos. Manso como um cervo, aceitou a sentença e se foi pedindo que nos perdoassem.

Agora, em nosso secular deserto, clamamos por seu novo nascimento em nosso interior que nos ajude também a aceitar a nossa cruz. Como uma criança que logo esquece a ofensa, contente, ele vem para o sincero buscador.

A cruz, símbolo da matéria, carne, dor, prisão, dualidade, tempo e espaço.

Jesus, o amor.

Jesus pregado na cruz...


Pintura: Cristo de São João da Cruz, 1951, Salvador Dalí.


Desenho de Cristo crucificado visto "de cima" feito entre 1574 e 1577 de João da Cruz que inspirou Salvador Dalí a pintar seu "Cristo de São João da Cruz".

O PRIMEIRO PENSAMENTO DIVINO

Eu estava em meio à natureza. Era fim de tarde, a metade do sol já tinha se escondido no horizonte. Naquele momento tive a experiência mística mais profunda de minha vida: todos os pensamentos sumiram e o nada de um profundo silêncio tomou conta do meu ser. Nesse brevíssimo instante, o êxtase aconteceu!

De repente, algo me fez sair daquele estado sublime, era meu corpo reclamando da enorme quantidade de mosquitos consumindo meu sangue, por esse motivo, sai do silêncio e tive um pensamento inicial: uma existência é sagrada demais, não consigo matar nenhuma dessas criaturas...


Pintura: O êxtase de São Paulo, 1649-1650, de Nicola Poussin.

QUEM SABE?


Imagine por um breve instante que as diversas ciências, as inúmeras obras de arte, as variadas filosofias e as incontáveis religiões sejam apenas reflexos de um mesmo ponto sagrado, eterno e infinito...

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

AO OÁSIS

Nessa longa caminhada, o deserto escorria pelos meus pés
Nessa longa caminhada, ossos vigiavam meus olhos secos
Nessa longa caminhada, a areia sugou meu suor amargo
Nessa longa caminhada, a sede tomou e era a minha carne
Nessa longa caminhada, a saliva alheia muito me consumiu
Nessa longa caminhada, os passos se tornaram curtos
Nessa longa caminhada, minha trilha não foi e nem será de alguém
 
Quantas glórias só de espinhos cultivei em minhas mãos?

Aah, quantas curvilíneas miragens desviaram-me do Único Destino?

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

ESPONTÂNEAS CRIATURAS

Se eu fosse capaz de criar mundos e seres, para a minha criação eu gostaria de ser um mistério no qual a minha existência, ao tornar-se uma quase inexistência, não interferisse na autonomia e auto-referência dos meus filhotes.
Pintura: A Criação de Adão, de Michelângelo Buonarotti,  1508-1512.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O VITRAL ACESO

Muitas pessoas não querem sair da escuridão, da brutalidade, da ignorância. Às vezes, é melhor ficar em silêncio e deixá-las lá, porque uma palavra amiga ou um gesto de amor para alguns funciona como um reforço na sua vontade de cair, pois vivem para contrariar sua própria natureza, se autoflagelam. 


Todo ritual envolve morte e renascimento. Os sábios já morreram diversas vezes. Os mais iluminados se tornaram o próprio ritual: a capacidade infinita de reunir de forma bela todos os cacos gerados pelo tempo e seus filhos. 


Na escalada para além do abismo, a vontade de levantar a cabeça para chegar ao topo unificante é indispensável. Os que fizeram esse caminho deixaram caixas de fósforos no calabouço. À medida que subimos, encontramos velas...


Foto: Catedral de São Sebastião na Cidade do Rio de Janeiro, de Glauber Medeiros Rezende.